A grande questão: quem fica com a riqueza gerada no Brasil?

ahh a História! Essa indomável. Sobre ela já se disse tudo, até mesmo que acabou. Há também as Histórias perdidas, aquelas dos derrotados, já que cabe aos vencedores o seu relato. Há outras sem fim, sempre recontadas a cada fato novo descoberto.

"Ninguém escolhe o tempo em que vive ou o tempo em que morre", refletiu Jacques Mornard, que assassinou Leon Trotsky. 40 anos após o crime, 10 anos após sua morte, a História foi recontada, a começar pelo seu nome, reescrito na lápide, Ramon Mercader.

Por que lembro disso? Porque ninguém escolhe o tempo em que vive. Porque é difícil fazer escolhas hoje que poderão mudar o futuro de milhões. A responsabilidade é imensa. Uma forma de minimizar o erro é o esforço para compreender o tempo presente, tendo o tempo histórico - passado e futuro - como perspectiva. Sim, o futuro faz parte da História. Seremos fruto dos sonhos que sonhamos hoje, dizia Sartre. O que define nosso presente são nossas expectativas do futuro.

Vivemos essa encruzilhada do tempo histórico exatamente agora, quando somos chamados a decidir o futuro do país baseados em nossa História recente, que começa, mais precisamente, em 1.500. Calma, não vou invocar Cabral, o Pedro Álvares. Basta um resumo e um clichê: durante 500 anos fomos um país rico com um povo miserável. Conta-se nesse período, não mais do que três saltos civilizatórios.

O primeiro deu-se com Getúlio Vargas, o pai dos pobres e a mãe dos ricos. Com todas as suas contradições, foram as leis trabalhistas dessa época que, de fato, enterraram a escravidão (contra seus resquícios, lutamos ainda hoje) e permitiram certa distribuição da riqueza gerada nos anos seguintes, durante o Milagre Econômico de JK, os 50 anos em 5. Também são dos anos de Vargas os primeiros passos importantes para a universalização do acesso ao ensino básico, a criação das primeiras instituições com caráter universitário e a criação do Ministério da Educação e Saúde.

O segundo salto civilizatório veio com a redemocratização dos anos 1980, a nova Constituição de 1988, a liberdade de imprensa e de associação e a liberdade partidária. Nesses anos, ensaiamos nossos passos democráticos, criamos sindicatos, centrais e partidos, elegemos e derrubamos presidentes, fortalecemos instituições democráticas e republicanas.

Os partidos que hoje disputam as eleições presidenciais, PT e PSDB, são dessa época. Pode-se dizer que nasceram ideologicamente próximos. No mínio, que não estavam em lados opostos do espectro político... até a chegada de Fernando Henrique Cardoso à presidência da República em 1994.

Desde então, cada partido adotou projetos opostos para o Brasil. O PSDB seguiu o caminho, que chamamos neoliberal, cujos princípios são a desregulação da economia, o estado mínimo, a reserva de mão de obra (desemprego alto para garantir baixos salários) e a concentração da renda (deixar o bolo crescer para depois distribuir, acreditavam os economistas do governo).

Esses princípios foram seguidos ao pé da letra. A economia foi deixada ao sabor dos mercados. As empresas estatais foram privatizadas. Os servidores demonizados como peso morto do Estado.

As consequências são conhecidas. Os juros chegaram a 45% ao mês. O desemprego chegou a 25%, com média anual de 12,6%. O salário mínimo era de $83,00 dólares. Empresas estratégicas foram vendidas a preços irrisórios, em operações envoltas em escândalos e suspeitas de vantagens indevidas.

E o mais importante: a desigualdade social, medida pelo índice Gini, que avalia a distribuição da renda, ficou entre 0,60 e 0,59 (a escala vai até 1. Quanto mais alto, pior a distribuição). Ou seja, o país rico continuava miserável.

A grande questão é: para onde foi nossa riqueza gerada nesses anos do PSDB? Como mostram os números ela não foi para a mesa ou para a cabeça dos brasileiros, em forma de conhecimento. (Além dos citados, outros números são facilmente pesquisáveis no velho almanaque Google ou em livros e papers em bibliotecas).

Justiça seja feita. O PSDB foi o responsável por um passo econômico importante, o fim da híper inflação, a estabilização da moeda.

Nas eleições de 2001, o PT vence com Lula e assume a presidência em 2002, onde se mantém desde então, com Dilma a partir de 2010.

Chegamos assim ao terceiro passo civilizatório de nossa História, os anos do PT. Lula pegou uma boa fase da economia mundial, não há dúvidas. A maioria das economias cresciam.

E então voltamos à nossa grande questão: para onde foi a riqueza gerada nos anos do PT? Cito alguns poucos dados: o Brasil saiu do mapa mundial da fome em 2014. Metade dos brasileiros estão na classe média. 126 campi universitários federais foram criados e, principalmente, foram criados no interior, democratizando o acesso à universidade pública. O índice Gini caiu de 0,59 para 0,50 em 2013. Já somos um Brasil rico com brasileiros menos pobres. A riqueza gerada foi melhor distribuída. E os ricos não tem do que queixar, convenhamos. Basta sair às ruas e observar. A melhor prova é essa, empírica.

Outro fato fundamental. Em 2010, com a crise mundial de 2008 às portas, o céu de brigadeiro se fechou. E Dilma pegou outro cenário econômico. Aqui novamente aparece clara a diferença de projetos de país. Nesses tempos de vacas magras, a conta da retração econômica não foi para os de sempre, como nas crises enfrentadas pelo PSDB. Ao contrário, os empregos foram preservados, o salário mínimo cresceu e o governo Dilma investiu alto em infra estrutura e projetos de formação e inovação - como o Pronatec e o Ciência sem Fronteiras -, preparando o Brasil para um novo salto de crescimento quando a economia mundial se estabilizar.

Parece pouco para quem espera há 500 anos que a História lhe faça um aceno e lhe de uma oportunidade, ainda que tardia. E de fato é. Apenas para se ter uma ideia, só em 2012 o nosso Gini voltou ao patamar de 1964, antes da ditadura. Levamos quase 30 anos para retomar o que a ditadura nos tomou em 21. A História nos ensinou que o erro custou caro.

Não se trata, portanto, de diferenças pontuais ou numéricas apenas. Estamos diante da escolha entre dois projetos de país: um civilizatório e outro, no mínimo incerto, como nos mostra a experiência recente, desde 1994.

O projeto de Dilma e do PT, vimos, garante que a riqueza gerada no próximo ciclo de crescimento tem endereço certo, o endereço de todos os brasileiros. Mas o terceiro salto civilizatório ainda está no ar. Os próximos anos serão decisivos para que ele se complete com perfeição. A História, essa ingrata, nos deve essa. E nós fizemos por merecer.


Matéria publicada na revista Observatório do Analista

Comentários

  1. Boa analise, acredito que o problema em geral é o não reconhecimento das coisas boas e a não continuidade de boas práticas e programas. Assim, ao começo de cada ciclo, temos bons programas sendo zerados por mera motivação política e não técnica. Outro ponto importante e de diferenciação PSDB x PT é no tamanho do peso público e privado, tenho minhas dúvidas se o funcionalismo público é eficiente, estabilidade não combina com resultados e metas.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas