O fim das ilusões

Uma cena entre Anthony Hopkins e Cuba Gooding Jr do Filme Instinto, de 1999, tem me vindo muito à mente. Cena em que eles falam do fim das ilusões. Que ilusões? De liberdade, de controle? Para mim, ela fala da ilusão de humanidade, de nossa auto ilusão sobre a fronteira entre o animal e o humano.

(No filme Hopkins era um antropólogo que abdicou de tudo e foi viver com os macacos na selva).

Observando os humanos nesse 2020, ouço Hopkins em 1999 e me ocorre que temos uma visão romântica da tal "humanidade". Há, claro, uma parcela demasiado humana, sensível, quase sublime. A arte, a matemática, a capacidade de modular os nossos instintos mais cruéis através de construções como o amor, são prova dessa humanidade.

Mas isso é uma minoria. Não sei precisar quantos. O resto é animal acrescido de inteligência e desejo, em estado bruto, que leva à crueldade brutal - para além do instinto de sobrevivência e preservação que compartilhamos com os outros animais -, humanos que têm o prazer sádico de subjugar o outro, subjugar até a morte, física ou anímica.

Vejo isso por todo lado, desde as relações de poder, entre governantes e governados, até muitas relações ditas amorosas (íntimas, familiares), onde se vê um dos "amados" reduzido a nada, sem vontade própria, sem brio, sem dignidade, adoecido na mente e na alma.

Talvez uma das evidências mais dramáticas da nossa brutalidade seja a gaveta das mesas de cabeceira, lotadas de sedativos, de pílulas azuis para aplacar as feras e os feridos (os loucos), aqueles que "achando bárbaro o espetáculo prefeririam (os delicados) morrer".

Mas esses são poucos. Quando conseguem se libertar das feras e das pílulas sedantes, fazem de sua dor arte. Os demais, a maioria, são as feras mesmo, iludidos de sua humanidade.


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