O grande espelho de fumaça da história

"Eu sou o outro de você", diziam os Maias.

Estamos olhando para o espelho da nossa própria história?

Lilian Schwarcz, Eliane Brum, Silvio Almeida e Jessé Souza nos fazem acreditar que sim. Em vários trabalhos, de diferentes áreas, resgatam, quantificam, interpretam e nos confrontam com o Grande Espelho de Fumaça - como na tradição dos povos Maias -  que é nossa história.

Esses autores, a todo momento tem me levado às memórias da infância, lá onde, na prática, os escravos negros foram descartados e nós, os imigrantes brancos renegados por nossas nações na Europa, descartados como massa de excedente populacional, chegamos para substituí-los.

Capturados por mercadores na África ou pela miséria na Europa, embarcados em porões de navios, cada um a seu tempo aqui desembarcamos. E fomos abandonandos à própria sorte.

Nesse território que chamamos Brasil, como notou Darcy Ribeiro, carregamos, no mesmo corpo, a pele supliciada pelo chicote e a mão do carrasco. Embrutecidos e insensibilizados, jogamos sal nas feridas uns dos outros e deixamos que secassem assim, a céu aberto. Mas logo abaixo da pele marcada, elas doem, nunca cicatrizaram, nunca foram cuidadas, tratadas. Basta um arranhão, uma pancada - como foi aquela nossa Kristallnacht (Noite dos Cristais) da votação do impedimento de Dilma Rousseff - para que voltem a sangrar e despertem nossa fera ferida.

Bolsonaro e muitos de seu staff e tantos outros espalhados em lugares de poder - notem os nomes de família -, homens embrutecidos, são essas feras, a pele branca também supliciada, e a mão do carrasco. No mesmo corpo. A maioria morrerá com as feridas sangrando. Mas alguns de nós precisam se curar, encarar de frente esse passado de horror, de abandono, de seqüestro ou expulsão de nossos países, tribos, povos.

Temos, nesse exato momento, a percepção clara desses fatos e a oportunidade histórica de enfrentá-los, de olhar "o outro de nós" através do espelho da história, de tratar as feridas e, quem sabe, superar. O risco de não fazer também é claro: sermos todos enterrados juntos nessa terra onde fomos abandonados, aportados dos porões de navios, e que chamamos de Brasil.

Talvez sobrevivam os povos originários. E a história recomece.

Tronco de Pau Brasil


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