A dor e a delícia de um governo bipolar

O populismo, de extrema direita, recém descoberto por Bolsonaro - vendo o efeito positivo do auxílio emergencial sobre sua aprovação e sobre a economia - precisa de Estado/investimento público para se manter. E a redução do investimento público é central no projeto liberal do Paulo Guedes, defendido pela Globo, a Folha, Estadão, etc. Salvo notícia mais recente, Bolsonaro e Guedes ainda são do mesmo governo. O nome disso é contradição. Se Guedes obedecer Bolsonaro, o que é provável que aconteça, e topar aumentar o gasto público, entrará em conflito com os liberais que o apoiam, incluindo vários veículos de comunicação. Mais contradição.

Contradição é ponto frágil, aquela pedra solta que pode derrubar o muro. E isso é sabido desde que inventamos a política. Me pergunto se a oposição ao governo esqueceu, nunca soube ou está ocupada demais, chorando as derrotas, para não explorar essas contradições.

Se o populismo de Bolsonaro vencer os liberais de Guedes, e o Estado investir e distribuir renda, logo aparecerá outra contradição: as pessoas que melhoram um pouco passam a querer MAIS. Alguém lembrou de 2013? Pois é...

Independente dos discursos que sustentaram as ruas em 2013, como a anti corrupção, tanto as classes médias quanto as classes de menor renda que lá estavam, pediam MAIS.

As classes médias, depois de beber um "bom vinho" em Barcelona, com os trocados ganhos na bolsa, sonhavam com orgias dionisíacas em alguma ilha grega, bastando apenas derrubar o governo que usava o dinheiro público para comprar votos, através de programas sociais, e impedia o "mercado" de agir livremente e apontar o caminho do pote de ouro. Aos meritocráticos, claro.

Já as classes de menor renda, queriam MAIS Universidade, saúde, poder morar num bairro mais central, viajar e se hospedar em um hotel onde pudesse ser servida ao invés de servir.

Foi essa contradição que ajudou a reeleger Dilma em 2014, com seu programa de governo que se chamava... MAIS. E ela também contribuiu para golpear Dilma em 2016 após 2 anos de política econômica liberal do Levi que ofereceu às pessoas MENOS.

Além da oposição ao governo, quem mais poderia explorar essas contradições são os últimos sindicatos, sobreviventes ao governo Temer, a maioria de servidores públicos. Eles tem toda a legitimidade para fazer isso em defesa de seus filiados. Ou acreditam que os quase 80 milhões de desempregados/informais/sem renda não afetam seus filiados? Ainda que desconsiderem a solidariedade e a responsabilidade social, como acham que seria a vida de seus filiados nas grandes cidades do país?

O desafio, além de reaprender o básico sobre as contradições dos sistemas de poder, é vencer o conservadorismo abissal da comunicação sindical e, em geral, dos grupos progressistas. Esse primeiro passo servirá para dar uma trégua às lamentações das derrotas e erguer a cabeça para ver o horizonte. Tem ideias e ações acontecendo e se perdendo à nossa volta enquanto nos ocupamos do muro de lamentações.

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